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O Olhar
Quando olhamos e não vemos
Por
12/03/2022 10:05 - 4.213 visualizações - 14 comentários
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Olá galera, hoje vamos olhar para um outro lado. Vamos tentar ver o que não vemos e ignoramos. Vamos olhar por um outro ângulo. Vou tentar. Será que você olhará para o lado depois que ler o texto? Garanto que vou tentar de coração. 

 

A Mãe 

 


- Manhê, cadê meu fichário? Eu quero brincar com o Tiago mãe. 


- Eu coloquei ali na estante. Aquela “porcaria” está ali no alto do lado esquerdo na última prateleira. Não quero bagunça. Lembre-se: é pra brincar na varanda e depois guarde tudo. Vai de máscara e leva o gel. Sem discussão. Olha o vírus meu filho.


-Pô mãe? Eu fico trancado aqui o tempo todo. Só saio pra ir pra escola.


Logo depois Carlinhos brincou com o Tiago, trocaram algumas cartas de Magic. Trocaram muitas ideias. Viram um vídeo no celular do Tiago  com algumas explicações de um novo deck. Ficaram ali a tarde toda. Eles precisavam disso, brincar e relaxar.


Depois de horas ali se divertindo, a mãe do Carlinhos chegou falando:


-Meninos está ficando tarde. Daqui a pouco vamos encerrar tudo. Tiago manda um beijo para sua mãe. Não esqueça de se higienizar depois de entrar. Tome um banho.


Carlinhos não aguentava tanto protocolo, limpeza, higienização. Mas lembrou que sua mãe estava certa, pois sua avó havia morrido de Covid. Ela era muito rebelde e pagou um preço caro. Nessa hora sempre batia uma tristeza, mas tentava seguir em frente. Ele vivia angustiado por conta dessa prisão necessária. Mas ele foi obrigado a fazer coisas dentro de casa que antes eram difíceis de se fazer, como ficar no celular jogando o tempo todo. Era uma prisão solitária. Ele não tinha irmãos. Sentia falta dos amigos e de sair. O Magic era seu amigo visível.


Se perguntava em pensamento: “por que minha mãe não via o que se passava com ele?”. Ele mesmo respondia em pensamento: minha mãe vivia sobrecarregada por fazer doces para sobreviver. O pai estava sem um emprego fixo. Concluía: estou aqui mãe, não esquece de mim. Vai dar tudo certo.

 

A Escola

 


 

Entrou na sala de aula e observou: todos os meus amigos estavam de máscara. O sorriso não era mais visto. Alguns estavam de máscara nova. Que legal! Alguma novidade.


Sentou-se lá atrás ao lado do Tiago e foi logo falando


-Tiagooooo. Pô cara, vi um deck de goblins que amei. É pauper. Super em conta e ótimo. Vou fazer umas trocas e tentar montar. Te mostro no recreio. 


-Maneiro. Gostei desse aí. Vou te ajudar. Ainda estou montando meu deck de elfos. Vamos prestar atenção. Precisamos manter as notas boas para ir para a aula de sábado com o Prof. Jacoh. Nunca vi isso: Magic na escola. Aqui é bom demais. 


-Concordo contigo. Foco na aula irmão.


Os ficaram ali focados na aula, aprendendo e se ajudando. Muitos colegas tiveram de largar a escola. Muitos nem queriam estudar. Mas eles estavam ali se superando.


As aulas dos Professor Jacoh não eram obrigatórias, mas somente poderiam fazer quem estivesse com boas notas e com os trabalhos em dia. Nada mais justo. Era algo inédito: aula de Magic aos sábados e na escola. Quando conheceram o Magic foi paixão à primeira vista. As aulas ajudam os alunos a terem ou manterem boas notas e aprenderem coisas novas como inglês hoje tão importante ao redor do mundo.


Carlinhos se perguntava sempre: “até quando conseguiremos ficar na escola? Será que ninguém vê? Será que tudo vai piorar?”. Lembrou das palavras de sua avó: “um pouco de escola é melhor que nenhuma”. Mas ele se questionava: até que ponto “pouca escola” não é a mesma coisa que nenhuma escola? Ele soube que algumas escolas na região fecharam. Concluía em pensamento: estamos perdidos ou estamos com muita sorte.

 

A Aula Mágica

 


-Bom dia! Vamos lá pequenos planinautas, hoje vou falar de uma cor que muitos odeiam e amam! Azul. Qual o papel dela no magic? – O Professor Jacoh começava sua aula sempre puxando um tema.


Ele continuou:


- O papel do azul é a cor do intelecto, da complexidade, do controle e da curiosidade. O azul representa também quem utiliza a manipulação como um método. Representa ainda o poder da mente e do pensamento. Por isso o planinauta que mais o representa é o Jace Beleren.


- Professor, mas eu odeio azul! – Observou um aluno.


- Eu amo azul! Você não gosta porque você é otário e impaciente! – Contra argumentou um outro aluno.


- Jovens planinautas, eu exijo respeito. Pode comentar, mas com respeito. Peça desculpas ou sairá da sala!


- Ok. Desculpas! Pô, mas você é muito impaciente mano! – O aluno que havia falado antes pediu desculpas.


- O Magic exige respeito. Ganhando ou perdendo, é com respeito. Ninguém é melhor quando ganha ou quando perde no jogo. Muitos jogadores em um FNM não fazem isso. Coisas como desejar “bom jogo” ou “boa diversão” deveria ser obrigatório, mas não é. Porém eticamente pega mal não falar algo assim. Educação ao longo da vida é necessária sempre. Até um simples bom dia faz bem a todos nós.


O professor comentou muitos outros assuntos. No meio da aula ele permitia que eles jogassem uma partida entre si e comentarem (ou analisarem) os seus jogos com ele. Muito da vida e do jogo era ensinado nas partidas. Durante um desses jogos ele observou justamente o Carlinhos que estava tenso, um pouco nervoso. Era visível, ele perguntou:


-Está tudo bem?


-Sim tudo bem professor. Mas... estou inseguro com a minha jogada e com as cartas da mão. Já muliguei duas vezes e a mão não veio boa. 


-Fique tranquilo: se o teu deck e suas cartas tem sinergia entre si e você tem noção do que pode fazer (e o que não pode), confie no teu deck. Aprenda com ele. Não tenha medo dele. Aqui no jogo, o deck é como se fosse uma parte de você ou da sua família. Isso vale para mãe, pai, irmão. Confie. Acredite. Muligar faz parte. 


Carlinhos sorriu. Ele entendeu o recado. O jogo é um reflexo da vida.


Carlinho pensou: “o professor me escutou sem eu tocar em assunto de casa. Ele sabe das coisas. Amo o Professor Jacoh. Por que a escola e os outros professores não escutam os alunos como ele faz? Por que ninguém escuta a gente que somos crianças? Por que no jogo de Magic não temos muito espaço pra jogar nas lojas? Por que?”

 

A Merenda

 

 

Oba! Hora da merenda. Muitos nem tinham comida em casa e a merenda na escola era o que salvava o dia.


O Pedro, um outro menino da turma de Carlinhos e Tiago, estava com fome. Muita fome. Não tinha muito o que comer em casa e optou por levar a banana de sobremesa pra casa e comer à noite. A mãe dele estava desempregada. Carlinhos e Tiago souberam do problema dele naquela hora e resolveram ajudar.


-Pedro? Vamos te dar uma mão. A gente se ajuda aqui. Vamos te dar essas duas cartas que são raras, e não são baratas, e que vierem em dois boosters que compramos. Não é muito, mas se vendê-las pode te ajudar. Tem um dealer na loja de Magic que compra e revende cartas. Vende elas e compra comida mano! – Carlinhos falou junto ao Tiago que estava ao seu lado.


Pedro ficou com lágrimas em seus olhos. Depois de quase um minuto calado, e chocado, pegou as cartas e falou:


-Obrigado. Muito obrigado. Depois da aula podem ir lá comigo nesse tal dealer?


Tiago fez um gesto de ok e Carlinhos concordou. Estavam unidos.


Por que muitas crianças se ajudam quando precisam umas das outras? Por que as pessoas não se ajudam em momentos de dificuldade real. Por que a criança é mais sincera? Por que, porque?

 

O Jogo

 

 

Tiago e Carlinhos jogaram duas partidas depois da aula. Cada um ganhou uma. Não importava os decks, eles sempre deixavam (ambos) cada um ganhar uma. 


A mãe de Carlinhos passou perto deles e ficou admirando o jogo e não entendeu muito bem. Ficou feliz por ver eles jogarem.


Uma felicidade simples passou por ali. Muitos dizem que um anjo passa por onde tem felicidade.


Depois de brincarem, Carlinhos entrou pra dentro de casa e Tiago voltou pra sua casa, que fica muito perto. 


Algum tempo depois de entrar Carlinhos pensou: “por que gente grande não pode rir quando joga? Simplesmente rir. Por que tem sempre que brigar? Sair aborrecido? Magic não é pra se divertir? Por que? Magic não confraternização?”

 

A Discussão com a Mãe

 

 

-Meu filho, você deu sua carta para outro vender? Eu trabalhei duro e te dei o pouco que sobrou pra você comprar aquele booster. – A mãe de Carlinhos não entendia sua atitude. 


-Mãe, eu te falei tudo. Ele estava precisando. Sem comida em casa. Se um dia você precisar pegar as minhas cartas e vender elas, está tudo bem. A gente é gente, mãe. A gente precisa comer e se ajudar. A gente tem de ter solidariedade, mãe. A gente aprende isso no magic com Professor Jacoh. A gente aprende a respeitar os outros e ser melhor. Ajudar é respeitar. Magic é antes de tudo respeito. 


Ela ficou em silêncio. Calada e ele sério.


No fim ela lhe deu abraço forte e falou:


-Deus te abençoe sempre filho. Te amo. Um dia quero conhecer esse Professor Jacoh.


Carlinhos pensou: “por que muitos colocam o dinheiro na frente da felicidade sempre? É ruim ajudar um colega ou um amigo? Precisamos ser egoístas ao ponto de não ajudar um amigo? Por que? Por que?”.

 

Desculpa Filho

 

 

-Desculpa filho, por não estar te dando tanta atenção. Mas eu preciso ganhar dinheiro para o nosso sustento. Desculpa filho. Perdão. Mas vou tentar ter um dia de folga pra te dar mais atenção.


-Tudo bem mãe. Eu te amo. O que o Magic me ensina é que a gente aprende a cada partida. Uma decisão tomada errada pode afetar um jogo inteiro, como uma decisão errada pode afetar uma vida inteira. Eu confio em você mãe. 


Eles se abraçaram forte e depois uns minutos ele falou quase chorando:


- Sabe mãe, tem uma frase de um personagem de Magic chamado Jace Beleren que é mais ou menos assim: “A mente é nossa maior arma, mas pode ser a nossa maior fraqueza”. Por isso mãe eu aprendo o que posso, quero te ajudar e continuar jogando Magic. Quero aprender mais e ser alguém pra te ajudar. Ser feliz. Só preciso que alguém me escute. Quero apenas ser feliz mãe com você e papai. Quero ter uma mente forte e saber lidar com as coisas na vida. Magic me ensina muito mãe. Quem não aprende não chega a lugar nenhum.


Ela chorou. Ele chorou. Não teve final feliz e nem triste. Somente um abraço forte cheio de carinho e ternura. Será que alguém escutou suas palavras pensadas e faladas? Será? Será?

( lm7k)
Comentários
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(Quote)
- 14/03/2022 23:39:41

Uau! Que honra!! Comentário do próprio professor! Já tinha lido um report sobre seu trabalho e achei magnífico, imagino o trabalho que deve ser lecionar magic pra uma turma, e essa galera deve ser bem especial, acredito piamente que a dinâmica do jogo e a fantasia imaginativa é uma grande alavanca intelectual e certamente uma boa safra de seus alunos vão aproveitar bastante msm que não prossigam no jogo já é o suficiente pra ativar uma boa visão. Mais uma vez, parabéns por sua iniciativa e tmb pro autor deste post que teve muita sensibilidade a habilidade na construção desse texto, sem dúvida é uma grande história

(Quote)
- 14/03/2022 21:58:04
Sensacional! Texto muito bom e a reflexão melhor ainda.
(Quote)
- 14/03/2022 19:19:46
Que lindo texto Dr. MOLINARI!
É uma honra ser citado tão diretamente e fazer parte das suas histórias. Me vi conscientizando as crianças que o verdadeiro valor do MTG não está no dinheiro do papelão colorido e sim nas interações sociais.

Parabéns por mais um texto brilhante.
JJ
(Quote)
- 14/03/2022 16:08:38
Li o texto e fiquei igual qdo corto cebola! Que texto peculiar, ainda mais nesse tempo em que vivemos, com perdas familiares (por causa dessa pandemia) e pessoas cada vez mais perdidas, justamente por indecisões ou inseguranças nas escolhas que tem na vida. Que esse texto faça mta gente refletir.
(Quote)
- 14/03/2022 15:13:15
Sensacional.
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